Caminho do Colono e Direitos Constitucionais Violados
Como advogada, nascida no sudoeste do Paraná, tenho a plena convicção, que o fechamento do caminho do colono agride direitos constitucionais fundamentais.
A histórica estrada não é somente um trecho de terra. É, sobretudo, o resultado do trabalho humano, da experiência comunitária e da vivência histórica.
Aliás, as palavras de um famoso pensador são compatíveis ao nosso sentimento:
“...o lar, o lugar onde estamos e que compartilhamos, o lugar que nos define, que asseguramos aos nossos descendentes, e que não queremos estragar.” (Roger Scruton).
Ou seja, ao retirar a nossa terra foi inviabilizada a nossa vida na sua integralidade, pois foram ignorados os nossos costumes, os nossos usos, as nossas crenças e as nossas tradições.
Portanto, o fechamento e a interdição do histórico caminho viola a dignidade da pessoa humana.
E, neste momento, cito de forma integral o artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”.
Muitos poderão dizer ainda em favor da reabertura: que a estrada histórica precede a criação do parque nacional. É verdade. Há estudos históricos riquíssimos que comprovam que o caminho foi usado pelos nossos índios e pelos nossos pioneiros (nasceu antes que o parque).
A Constituição do Paraná, inclusive, é expressa nas suas disposições transitórias (artigo 15):
“O Estado fará, no prazo de um ano da promulgação desta Constituição, a restauração dos caminhos históricos e de colonização existentes em seu território, permitindo-se a sua utilização, em respeito às servidões de passagens estabelecidas como instrumento de integração social, econômica e cultural, asseguradas a sua permanente conservação e a proteção do meio ambiente.”
É inegável que o trecho foi caminho de colonização. Basta observar, o seu nome: “Caminho do Colono”. O desenho geográfico, econômico e social do sudoeste e do oeste do Paraná é resultado, em grande parte, da sua utilização.
Muitos defenderão que o caminho era aceito e incentivado pelo Estado do Paraná e pelo próprio governo central (União). Também é verdade. Há inúmeras provas da presente realidade fática. Por exemplo: mapas viários do Paraná do início da década 1920, visitas de autoridades e, por fim, a própria colonização do centro-oeste e do norte do Brasil, assunto de interesse do governo central, que está vinculada ao caminho do colono.
É inquestionável, por consequência, que da estrada brotavam aspectos humanos, sociais e comunitários. De igual maneira, o caminho do colono não era clandestino, ilícito ou imoral.
Assim, sou consultada, muitas vezes, por familiares e amigos, que me indagam a partir do meu raciocínio, o que poderíamos alegar então para recuperar o nosso chão (lar) e tirar o nosso povo do gueto.
No primeiro momento imaginei citar o terceiro artigo da nossa Constituição. É impossível falar em sociedade justa, desenvolvimento nacional, redução de desigualdade ou promoção do bem isento de preconceito quando toda a nossa população foi ignorada (CF/88 art. 3°, incisos I, II, III e IV).
Na verdade, há um “processo” intencional para esconder a nossa “humanidade” e a nossa história (sem personalidade e sem história não temos razões de possuir direitos constitucionais – não somos cidadãos).
Também, poderia lembrar o artigo 5° da Constituição Federal que fala em igualdade, em segurança e em direito de locomoção.
Hoje, infelizmente, o nosso povo é condenado a ficar isolado ou a percorrer centenas de quilômetros, em rodovias perigosas, para visitar familiares, para celebrar em comunidade ou para congregar em nossas Igrejas (CF/88 art. 5, caput, incisos III e XV).
Sem esquecer, que muitos que fecharam o pequeno caminho histórico, com sua ideologia ditatorial, dizem sem nenhum rubor ou vergonha: saiam do país, usem as estradas argentinas, encurtam o percurso. É chocante, mas não é surpreendente pelo espírito antinacional que domina o ambientalismo radical. Somos expulsos do nosso próprio país.
Além disso, poderia lembrar que pessoas, comunidades e cidades do sudoeste e do oeste do Paraná interromperam as suas trocas culturais (torneios esportivos, bailes, inclusive, de raízes gaúchas, visitas de comunidades e muitos eventos religiosos).
Desta maneira, há explícita violação ao artigo 215 da Constituição Federal (temos o direito constitucional de viver a nossa cultura).
Por sua vez, o próprio caminho constitui nosso patrimônio cultural (artigo 216 da Constituição Federal).
Para os ambientalistas totalitários e negacionistas da primazia do ser humano é preciso citar o artigo 1° da lei municipal n° 1.686/2019:
“Fica reconhecido como de valor histórico e cultural do Município de Capanema, a Estrada do Colono, trecho que nasceu como caminho indígena, utilizado pela Coluna Prestes, na década 1920, anterior a criação do Parque Nacional do Iguaçu e vital para colonização do Sudoeste e Oeste do Paraná”.
De igual modo, poderia lembrar que famílias foram separadas e muitos filhos, durante o fechamento violento do caminho, foram obrigados a sair do ambiente familiar.
Eram duas opções, ficar e passar dificuldade econômica e financeira, sem esperança de desenvolvimento. Diga-se de passagem, fato confirmado pela realidade (foram centenas de comércios fechados, terras abandonadas e índice populacional descrente).
A outra opção era sair e abandonar os pais, os familiares e suas pequenas posses. Novamente, os fatos são comprovados pela realidade das nossas cidades e comunidades do interior (ninguém ficou para lavrar a terra e continuar o trabalho de gerações – algo que fere a sensibilidade de qualquer ser humano).
O fechamento e a interdição, desse modo, fere de morte as nossas famílias. E, assim, existe violação do artigo 226 da Constituição Federal:
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
As violações constitucionais são profundas e indiscutíveis. Então, muitos perguntarão: o que levou o fechamento e impede a reabertura?
A resposta é cruel e simples: as vidas dos nossos homens, das nossas mulheres, dos nossos jovens e das nossas crianças nada significam para o movimento ambientalista.
Novamente, é oportuno a síntese de outro pensador:
“Se levarmos o raciocínio dos ambientalistas a sério, descobriremos que defendem uma ideologia anti-humana. Essa ideologia vê como causa fundamental dos problemas do mundo a própria evolução do Homo sapiens...E não é nenhuma coincidência que muitos ambientalistas se recusem a colocar os seres humanos no foco de suas atenções.” (Václav klaus).
Por óbvio, rejeitam a soberania humana (Gn 1,28). Também, desacreditam na ética e no amor humano em relação a fauna e a flora.
As terríveis regras do movimento político ambientalista é de exclusão do homem, da sua cultura, dos seus sentimentos nobres e de sua capacidade criativa.
As referidas pessoas e suas instituições, geralmente ongs internacionais, esqueceram o alerta do grande líder Nelson R. Mandela:
“Nenhum indivíduo, nenhuma corrente de pensamento, nenhuma doutrina política ou religiosa podem reivindicar o monopólio da verdade”.
É triste pensar que na defesa da nossa gente, a continuar a vigorar a ideologia radical, materialista, pervertida do movimento ambientalista, é melhor esquecer a Constituição Federal, a Bíblia Sagrada e os princípios universais que unem todas as religiões, e advogar a aplicação das regras que protegem os animais e as plantas.
Sim. A lei n° 9.605/98, por exemplo, veda a crueldade em relação aos animais e a destruição da flora.
Infelizmente, ao nosso povo tudo é negado. A crueldade dirigida ao mesmo é brutal, por isso, também é chamado de “ganancioso”, “amante do dinheiro”, “condescendente com crimes ambientais” e “traficante”.
Há três décadas somos atacados. Há três décadas somos destruídos.
O grande advogado Sobral Pinto pleiteou para um preso a mesma proteção dada aos animais.
Agora é preciso ir além, diante do período de violência, do sofrimento coletivo e do radicalismo e da hostilidade dos nossos “senhores”, pode parecer ofensa a nossa equiparação a animais. É prudente, portanto, pleitear a nossa equiparação a plantas ou a objetos inanimados.
É uma estratégia para enfrentar “ditadores” e falsos protetores do ambiente.
Porém, nós nunca esqueceremos os ensinamentos do prêmio nobel da paz Desmond M. Tutu:
“Nós temos um Deus maravilhoso. Pois nosso Deus diz que cada um de nós tem tanto valor, que somos, na verdade, portadores de Deus. Cada um de nós”.
Temos convicção que foram os nossos antepassados e o nosso povo que sempre cuidou do parque.
Por uma simples e profunda razão: é o nosso lar.
Nós, ao contrário dos ambientalistas militantes, acreditamos no seres humanos. E, por consequência, na sua divindade.
A nossa divindade nos leva amar os animais e as plantas, enfim, toda a criação divina. E, juntos, vamos proteger a nossa estrada, o nosso parque e o nosso país (tudo é o nosso lar).
Nós, não desprezamos a Deus, nós não abandonamos a nossa terra, nós não rejeitamos a nossa Constituição, que fundamenta o nosso Estado (lar) no valor sagrado do homem e na proteção de Deus:
“...Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
Rafaela Ampessan, Advogada, Bacharela em Direito pela Univali – Universidade do Vale do Itajaí/SC e defensora da natureza.